Livros Saiu das páginas

Sandman – a série

Uma obra por muito tempo considerada “infilmável” chega finalmente às telas do Netflix numa adaptação surpreendentemente bem fiel à Graphic Novel original. Está longe de ser perfeita, mas Neil Gaiman e os co-produtores e roteiristas David S. Goyer e Allen Heinberg souberam manter o foco nos pontos principais e trataram com cuidado do vasto elenco de personagens secundários que enriquecem a obra de Gaiman. 

O cuidado e o respeito são visíveis em cada frame – a série tem imagens copiadas diretamente dos quadrinhos; um tributo à concepção visual dos artistas originais Sam Kieth e Mike Dringenberg. Os dez episódios dessa primeira temporada adaptam as sequências “Prelúdios & Noturnos” e “Casa de Bonecas”. Isso dá um ritmo meio quebrado à temporada, já que são dois arcos distintos separados por um episódio de transição (o episódio 6, “O Som de suas Asas”, o melhor da temporada), que por sua vez também inclui duas histórias distintas. Por isso os adaptadores desde o começo estabelecem o conflito com o Coríntio (um pesadelo “foragido”) como fio condutor da temporada completa.

A primeira parte narra como o Mestre dos Sonhos (um dos sete Perpétuos, veja mais aqui) é capturado por um mago inglês e feito prisioneiro por décadas. Após se libertar – e se vingar – encontra o reino dos sonhos abandonado, em pedaços, e pior – com um terrível pesadelo, o Coríntio – à solta no mundo real. Na segunda parte, Morfeus sai à caça do Coríntio e tem que conter um Vórtice – uma pessoa com capacidade de afetar o mundo dos sonhos e o despertar, e assim destruir a própria realidade.

Os pontos altos dos quadrinhos são também os pontos altos da série – o duelo no Inferno com Lúcifer, em interpretação magistral de Gwendoline Christie; o aterrorizante episódio na lanchonete em “24 Horas”, com David Thewlis também brilhante como John Dee; e a conversa de Morfeus com a irmã Morte em “O Som de Suas Asas”, outra grande interpretação de Kirby Howell-Baptiste.

O elenco merece um capítulo à parte, cada ator é a encarnação quase perfeita de cada personagem. Tem Charles Dance, Stephen Fry. Boyd Holbrook quase rouba a série como o Coríntio; Mason Alexander Park é delicioso como Desejo. Tom Sturridge até que se sai bem, embora tenha a tarefa mais difícil, ao encarnar um protagonista cujo principal aspecto é a frieza. Vivienne Acheampong faz o contraponto perfeito com a humanidade da assistente dele, Lucienne. A maior mudança em relação aos quadrinhos está na versão para John Constantine. Não só pela mudança de sexo (aqui é Johanna), mas pela mudança de personalidade do cínico personagem dos quadrinhos. Mas o carisma de Jenna Coleman acaba vencendo.

O principal mérito da série é se manter fiel ao espírito do original. Meu temor era de que o tom sombrio da história em quadrinhos fosse diluído, mas a todo momento os diretores e roteiristas nos lembram de como Neil Gaiman pode ser aterrorizante e até cruel. Gaiman não tem a menor hesitação em destinar um fim trágico a seus personagens, e isso é mantido – com uma pequena exceção de uma personagem “salva” de uma das mortes mais cruéis dos quadrinhos. A convenção de serial killers em “Casa de Bonecas” tem muita ironia e humor, mas também tem momentos viscerais fortíssimos, sem falar no clímax de carnificina de “24 Horas”. Isso aqui á fantasia e terror para adultos, não é uma fantasia leve como por exemplo “Stardust” do mesmo Gaiman.

Com tanta qualidade, já estou ansioso pelas próximas temporadas, com muita expectativa para aparições de personagens como Delírio e pela adaptação dos arcos seguintes. Enquanto isso, é ver e rever essa primeira temporada, que tem uma riqueza de detalhes que certamente merece um exame mais profundo.

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