Quando foram anunciados os concorrentes ao Globo de Ouro de 2021 muita gente ficou confusa pela falta de algumas produções que se destacaram em 2020 e, também, pela pequena expressão que outras tiveram dentro da premiação. A maior razão da indignação foi a total esnobada que deram na minissérie “I May Destroy You”, sobre como uma mulher negra sobreviveu a um estupro e como isso afetou sua vida. Criada e estrelada por Michaela Coel, é considerada por grande parte da crítica especializada como uma das melhores séries de 2020, mas não teve nenhuma indicação. Muitos apontaram a importância da indicação dessa série, não só pelo trabalho espetacular de Michaela Coel como pelo tema. Porém, ao lado de Coel, também incomodou muito a falta de mais indicações para a série “Lovecraft Country”, que concorreu a melhor série dramática e nada mais. Além da eterna esnobada à excelente “Blackish”, que fala de uma família negra de classe média alta e que vem mudando a forma de se fazer sitcom. Quando olhamos pra trás e vemos quantas vezes “Modern Family” foi indicada e ganhou, dói ainda mais não ver “Blackish” receber a atenção que merece. Ou até mesmo “Bridgerton”, super produção criada pela poderosa Shonda Rhimes, que mostra que dentro do nosso imaginário também cabem personagens negros fazendo parte da alta sociedade na Inglaterra Vitoriana. E sim, todas essas produções giram em torno de personagens negros e falam sobre a realidade de pessoas negras.
2020 foi um ano difícil, estamos no meio de uma pandemia que mudou completamente o mundo, mas 2020 também foi o ano em que a comunidade negra gritou “chega” e foi pra rua, pelo movimento “Vidas Pretas Importam”. Foi atacada, criticada, vandalizada, mas não se calou e nem deve se calar. Assim como é nosso papel apoiar o movimento antirracista não apenas dando voz à essas pessoas como calando as vozes racistas. Se em 2019 e 2020 o Globo de Ouro viu as mulheres reclamarem e reivindicarem que não apenas as atrizes, mas também as diretoras, produtoras, diretoras de fotografia e todas as mulheres que trabalham na indústria cinematográfica, merecem reconhecimento e prêmios, agora é hora de rever como a Hollywood Foreign Press Association/ HFPA (Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood) percebe a representação negra no cinema e na televisão. Pra começar, um dos pontos mais criticados é a questão de não haver diversidade dentro da própria Associação, que, curiosamente, por anos foi vista como muito mais progressista que a Academia que vota os indicados ao Oscar. Porém a HFPA há alguns anos já, mostra que não é mais tão progressista assim.
O que aconteceu foi que tivemos que engolir produções medíocres como “Emily em Paris”, “The Prom” ou até mesmo o revoltante “Music” dentro da lista de indicados, enquanto que produções que realmente mereciam atenção foram deixadas de fora. Então chegamos finalmente à noite da premiação, no domingo 28 de fevereiro. Por causa da Pandemia e toda a questão do distanciamento social como melhor forma de lidar com o Coronavírus, vimos uma festa bem morna, bem mais morna do que tem sido nos últimos anos, apresentada pelas maravilhosas Tina Fey (direto do Rainbow Room em Nova York) e Amy Poehler (que estava em Los Angeles no Hotel Bervely Hilton), com alguns apresentadores presentes, poucas pessoas nas mesas no salão e com todos os concorrentes em suas casas, participando por vídeo. Mesmo de longe e em uma cerimônia cercada pelo constrangimento, as duas conseguiram mais uma vez nos fazer sorrir – o que não é muito difícil, basta ver elas duas juntas. No discurso de abertura chamaram atenção pra falta de diversidade da HFPA e pro esnobismo a produções negras, mas ficou mais como um tapinha na mão do que um verdadeiro e necessário puxão de orelha.
A partir daí foi uma cerimônia que nitidamente tentou arrumar a bagunça que fez e ficou um gosto amargo na boca, com um desfile de celebridades negras na tela apresentando prêmios que continuavam indo para pessoas brancas, com algumas exceções super merecidas. Como o prêmio de melhor ator coadjuvante pra Daniel Kaluuya por “Judas e o Messias Negro”, um emocionante prêmio de melhor ator para Chadwick Boseman, por “A Voz Suprema do Blues” e uma das boas surpresas da noite quando Andra Day ganhou o prêmio de melhor atriz por sua atuação em “Os Estados Unidos contra Billie Holiday”. Day foi a segunda atriz negra, na história do Globo de Ouro, a ganhar o prêmio de melhor atriz. A primeira foi Whoopi Goldberg, há 35 anos, por sua atuação em “A Cor Púrpura”. Em 78 anos de Globo de Ouro, apenas duas atrizes negras ganharam o prêmio principal e com uma diferença de 35 anos entre as premiações.
Tivemos outras boas surpresas também, como o prêmio de melhor filme de comédia ou musical para “Borat: Fita de Cinema Seguinte”, desbancando o favorito “Hamilton”. E Jason Sudeickis levar o prêmio de melhor ator por uma série de comédia ou musical, por sua ótima atuação em “Ted Lasso”. Mas a melhor surpresa e vitória da noite, foi ver a diretora Chloé Zhao levar o merecidíssimo prêmio de melhor direção pelo seu magnifico trabalho em “Nomadland”. Assim como ver “Nomadland” levar o prêmio de melhor filme, desbancando David Fincher e seu filme “Mank”. Foi ótimo ver um filme dirigido por uma mulher asiática, sobre um grupo de pessoas simples com um estilo de vida bem simples, desbancar uma enorme produção da poderosa Netflix, que exalta a antiga Hollywood na figura de um poderoso homem branco, dirigido por um homem branco.
Essa com certeza foi uma vitória que eu gostei muito de comemorar. Desde 1984 que uma mulher não ganha o prêmio de melhor direção e nunca um filme dirigido por uma mulher chegou a ganhar o prêmio principal do Globo de Ouro. Outra mudança foi o fato de haver três mulheres concorrendo à melhor direção, além de Zhao: Regina King por “Uma Noite em Miami” e Emerald Fenell por “Promising Young Woman”. Isso na noite em que Jane Fonda foi homenageada com o prêmio Cecil B. deMille. Em seu discurso, ao receber o prêmio, Fonda reforçou a importância da diversidade no cinema e na televisão, ao dizer que os espaços devem ser expandidos, já que todas as histórias devem ser contadas e ouvidas e que todos merecem ter a chance de conta-las.
Porém, as surpresas acabaram aí. A grande ganhadora da noite foi a série “The Crown” levando grande parte dos prêmios a que concorreu. Anya Taylor-Joy ganhou como melhor atriz de série limitada ou filme para TV, por “O Gambito da Rainha”, e Aaron Sorkin ganhou por melhor roteiro com “Os 7 de Chicago”. É inegável o valor de Sorkin e sem dúvida seu filme é forte, importante e reflete com precisão os EUA de hoje, mesmo sendo sobre um acontecimento do fim dos anos 1960. Mas é inegável a força de “Promising Young Woman” de Emerald Fenell, um filme que merecia muito mais o prêmio de melhor roteiro, pela força de seu texto, por subverter a forma como percebemos a final girl e por, principalmente, falar sem papas na língua sobre o quanto um estupro destrói uma mulher psicologicamente. Ao lado de “I May Destroy You”, esse é uma produção que conta uma história que precisa ser contada até que ela não aconteça mais. Não é questão de desmerecer quem ganhou, é uma questão de premiar as narrativas que realmente estão impactando o mundo e procurando muda-lo. Outro prêmio que acabou sendo amargo foi o de melhor filme estrangeiro. Por mais que o ganhador, “Minari”, seja um filme incrível, ele meio que foi usado como uma pequena trapaça da HFPA, porque essa é uma produção dos EUA.
Por fim, mesmo com o prêmio para Zhao e seu excelente Nomadland, o Globo de Ouro precisa rever seus parâmetros, rever seus votantes e tentar acompanhar o mundo que deseja representar e premiar. Porque, sinceramente, tudo o que consegui pensar quando a transmissão acabou foi se ainda precisamos de prêmios como o Globo de Ouro.
LISTA DE GANHADORES:
Melhor Filme – Drama
“Nomadland”
Melhor filme – Musical ou comédia
“Borat: fita de cinema seguinte”
Melhor direção
Chloé Zhao — “Nomadland”
Melhor atriz de filme – Drama
Andra Day (“Estados Unidos Vs Billie Holiday”)
Melhor ator de filme – Drama
Chadwick Boseman (“A voz suprema do blues”)
Melhor atriz em filme – Musical ou comédia
Rosamund Pike (“Eu me importo”)
Melhor ator em filme – Musical ou comédia
Sacha Baron Cohen (“Borat: fita de cinema seguinte”)
Melhor ator coadjuvante
Daniel Kaluuya (“Judas e o messias negro”)
Melhor atriz coadjuvante
Jodie Foster (“The Mauritanian”)
Melhor roteiro
“Os 7 de Chicago”
Melhor filme em língua estrangeira
“Minari – Em Busca da Felicidade” – EUA
Melhor animação
“Soul”
Melhor trilha sonora
“Soul” – Trent Reznor, Atticus Ross, Jon Batiste
Melhor canção original
“Io Si (Seen)” de “Rosa e Momo” – Diane Warren, Laura Pausini, Niccolò Agliardi
Melhor série – Drama
“The Crown”
Melhor série – Musical ou comédia
“Schitt’s Creek”
Melhor série limitada ou filme para TV
“O gambito da rainha”
Melhor atriz em série – Drama
Emma Corrin (“The Crown”)
Melhor ator em série – Drama
Josh O’Connor (“The Crown”)
Melhor atriz em série – Musical ou comédia
Catherine O’Hara (“Schitt’s Creek”)
Melhor ator em série – Musical ou comédia
Jason Sudeikis (“Ted Lasso”)
Melhor atriz em série limitada ou filme para TV
Anya Taylor-Joy (“O Gambito da Rainha”)
Melhor ator em série limitada ou filme para TV
Mark Ruffalo (“I Know This Much Is True”)
Melhor atriz coadjuvante em série
Gillian Anderson – “The crown”
Melhor ator coadjuvante em série
John Boyega (“Small Axe”)