Coluna

Uma dose de infundibuliformidade, por favor

Eu não sei quanto a vocês, mas eu estou exausta. E não é apenas a política nem as eleições que estão me cansando, porque o cenário em que nos encontramos é sem sombra de dúvida desesperador, mas o desânimo que vem acompanhado de tudo isso. “Independentemente do resultado dos votos, nós já perdemos”, tenho escutado muito ultimamente. Eu não quero acreditar nisso, mas fica difícil ser otimista quando, para todo lugar que se olha, só se vê polarização, medo e violência. Ou nós perdemos a capacidade de discutir ou nunca aprendemos.

Recentemente, ao ver a inflamação de amigos e conhecidos, resolvi fazer um desabafo no Twitter, propondo apenas uma reflexão sobre a maneira como estamos lidando com a oposição e indecisos. Embora uma pessoa ou outra tenha curtido e respondido de forma positiva a minha sugestão, muitos (pessoas que vão votar no mesmo candidato que eu!) rebateram de forma acalorada pontos que eu nem mesmo havia defendido ou comentado.

Sei que estamos com medo, 2019 não está nada fácil de encarar, mas sem o debate e sem a calma para ouvir, entender e assim poder refutar argumentos não vamos chegar a lugar algum; no máximo, nos tornaremos tão violentos quanto aqueles que julgamos perigosos.

A thread do Twitter na íntegra, para vocês entenderem melhor o que estou propondo:

Vou dizer uma coisa que me incomoda bastante que é quando colocamos todo mundo na mesma caixinha. Pensem bem antes de falar “bolsominion” e “fascista” pra eleitores do Bolsonaro. É preciso dialogar e entender a motivação dessas pessoas. “Vc exclui a pessoa, alguém acolhe”, li agora. Vc perde a oportunidade de se fazer ouvir e de entender tb o outro lado. Se fecha na sua bolha e fica com a ilusão terrível de que todos pensam igual a vc. Não é saudável. Acho muito importante acompanhar o máximo que posso de várias pessoas com diferentes pensamentos pq conhecer opiniões distintas é aprendizado. A gente ganha empatia, abre a mente. E mais importante ainda, acredito, é saber quem são as pessoas que pregam o ódio e quem é apenas ignorante. Só dá pra fazer isso saindo da bolha e ouvindo!

Tô vendo muita gente querida se tornando aquilo que mais teme nesse momento difícil, talvez por conta do ódio que os cega. Eu não sei se é certo tolerar a intolerância mas é como minha mente foi moldada. Eu quero entender mais do que eu quero ser entendida.

Tem gente que vai votar no Bolsonaro pq pensa igualzinho a ele (com esses não tem papo), tem gente que vai votar pq acredita na ideologia de um herói, tem gente que vai votar por ódio ao PT e gente que nem ao menos se dá ao trabalho de acompanhar as notícias e saber de fato quem ele é. Nem todo mundo enxerga o mal que a gente vê no cara, e há uns que acham que é tudo um exagero e que nós estamos com medo à toa (geralmente os mais privilegiados, não pertencentes à minoria oprimida, o que é compreensível).

A emoção pode cegar a todos nós e pode fazer revolução tb. Tem sempre os dois lados. E muitas variáveis. A única coisa que estou refletindo aqui é pra gente não colocar todo mundo na mesma caixa sem nem ao menos tentar entender e ouvir um lado que é desconfortável ouvir. Às vzs o que a pessoa quer de fato é um cara fascista no poder, mas pelo menos demos a chance de ela poder expressar isso. Se a gente sai xingando, perde a oportunidade de conhecer as verdadeiras intenções de alguém.

Pra finalizar, repito: a gente precisa dialogar e ouvir se a gente quiser ser ouvido. E não podemos perder a noção de que: a maioria das pessoas não é racista nem homofóbica nem fascista. E os que são a gente vai SIM combater!!
E sei que esses tweets não expressam nem de longe tudo que penso, vou perder seguidores e tal, além de correr sérios riscos de ser mal interpretada, mas hey… (quase) tds nós queremos a mesma coisa, peeps: amar e ser amados, felicidade, saúde e dignidade.

PS. Tudo isso é uma reflexão pra maneira como reagimos aos que pensam diferente da gente pq estamos perdendo gente indecisa e confusa pro Bolsonaro. Em momento algum eu estou sugerindo para sermos tolerantes com discursos de ódio e fascismo, quando se fazem presentes. Antes de QUALQUER COISA precisamos saber quem é quem. E não dá pra fazer isso sem ouvir.

Faltando dois dias para as eleições, a questão pra mim agora não é mais apenas em quem vamos votar e por quê, é o vazio que ficou depois de tantas discussões e conversas onde tantas pessoas queridas se mostraram despreparadas para ouvir, interpretar e sequer argumentar, independente do lado que estejam defendendo. Talvez eu possa tirar alguma coisa de bom nisso tudo porque, afinal, aprendi muito nessas eleições, inclusive em algumas ocasiões meu próprio despreparo ao discutir. Aprendi muito também sobre os partidos e políticos envolvidos (e ainda estou aprendendo), a manipulação tanto da direita quanto da esquerda, da mídia, a cultura do medo que espalham para dividir ainda mais a população, a inocência de muitos em achar que estão acima dessa manipulação… sobretudo, aprendi que nós não temos consciência de todas as falácias que usamos para desesperadamente defender um ponto, nem percebemos o quanto às vezes nos apegamos a esse ponto, como se fosse um porto seguro, independente da quantidade de argumentos e evidências que derrubem esse tão prestigiado abrigo inabalável.

Eu aprendi que nós não fomos educados para discutir, questionar e debater, porque o que importa é dar a última palavra, se sentir vitorioso e apontar culpados e vilões. Talvez, se discutíssemos mais política, esporte e religião desde cedo, desde bem cedo, argumentar não seria esse tabu todo maniqueísta que vemos hoje, nem teríamos tanta dificuldade depois de alguns anos de prática.

Além disso, mais pessoas conversariam pelo prazer da argumentação e não querendo vencer o tempo todo… São tempos estranhos.

Por último, mas não menos importante, pense no dilema do trem e o conflito ético que vem com ele. Puxar a alavanca e salvar a vida de cinco pessoas ainda que isso cause a morte de uma? Ou não fazer nada, deixando assim que o destino se encarregue de matar as cinco pessoas? De acordo com a sua intuição moral, o que você faria? (Livre de analogias com o cenário polarizado, ok? Estou apenas propondo essa reflexão, caso você ainda esteja pensando em votar nulo, hehehe.)

Acredite, estamos todos no mesmo cenário infundibuliforme. Num funil, não importa quanto tempo a gente fique rodando, vamos todos para o mesmo buraco eventualmente.

#Fui

Similar Posts

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *