Coluna

20 anos de Senhor dos Anéis, 23 anos de Tolkien

Eu tinha 12 anos quando li O Hobbit pela primeira vez. Peguei o livro emprestado do meu irmão, deitei no meu colchão velho, que ficava no chão do meu quarto, e viajei para a Terra Média. Não foi minha primeira experiência com literatura, já que eu adorava ler os livros do Pedro Bandeira na escola, entre muitos outros, mas foi a primeira que eu entendi verdadeiramente o que significava ler. E de onde veio a vontade de ler O Hobbit? De um lugar inesperado.

Eu estava no sítio da minha melhor amiga de adolescência, Tati, e um dos amigos dos nossos irmãos, Pedro, hoje um grande amigo meu, do lado de fora da casa, na varanda e deitado na rede, lia confortavelmente uns versos em páginas amareladas. A princípio, até achei que fosse um poema, e quase virei o rosto, desinteressada, mas algo em sua postura, as pernas esticadas e cruzadas, a expressão de concentração e o jeito com que ele segurava o exemplar me atraiu o suficiente para que eu parasse e perguntasse que magia era aquela que o hipnotizava tanto, e o fazia trocar a piscina por aquele momento aparentemente preguiçoso e solitário. Ele me mostrou a capa, solícito, feliz com a minha curiosidade, e eu segui para a piscina, pensativa.

Aquele momento foi tão marcante; o livro na mão do meu amigo, aqueles versos, a posição dele na rede, o olhar concentrado… tão marcante que eu levei de volta pra casa uma vontade inevitável de conhecer o autor não apenas do livro, mas daquela demonstração de liberdade. E eu me apaixonei pela obra, pelo autor, pelo universo criado, pela escrita e pela leitura. Foi um combo que ditou, naquele momento da minha vida, como eu enxergaria os livros dali em diante. Quando você experimenta e traga de verdade um livro, e entra no nirvana da imaginação, não tem volta. Você acaba um e já começa outro porque nada no mundo vai te transportar para mundos e te fazer viver a vida, inúmeras vidas, como um livro faz.

Eu ri, chorei, meu coração disparou, doeu e cantou e quando terminei O Senhor dos Anéis aprendi três grandes lições que eu vou levar pro resto da vida: a primeira é que nem todo mundo que vaga está perdido; a segunda que tudo que a gente precisa decidir é o que fazer com o tempo que nos é dado; e a terceira é que minha visão de mundo havia se expandido radicalmente e esse era o maior presente de todos os livros. Eu sabia que, toda vez que eu quisesse enxergar mais longe, bastava ler um livro e o mundo ganhava uma nova lente de contato e eu, mais lembranças e compreensão dos meus sentimentos.

Senhor dos Anéis é o livro mais importante da minha vida. Foi com ele que aprendi a gostar de ler em dias chuvosos, que descobri o prazer da fantasia, que me fez entender o poder da escrita e a resposta emocional que vem com a memória que ela constrói. Foi Tolkien quem primeiro me ensinou tolerância, empatia e a vantagem de respeitar diferentes pontos de vista. Foi Aragorn, Gandalf, Galadriel, Frodo, Bilbo e Sam e tantos outros que me ajudaram a enxergar em mim os valores que eu tanto admirava neles.

Sobretudo, foi a obra de Tolkien que me trouxe um mundo menos solitário. Pra alguém dramática como eu, sempre me achando deslocada, sem espaço, incompreendida e desconectada, o livro foi uma porta de entrada para grandes amizades. A mesma magia que me chamou atenção para o Hobbit nas mãos do meu amigo, deitado naquela rede, chamou a atenção de outro grande amigo, Luc, alguns anos depois, na fila do cinema. Ele viu a edição única de Senhor dos Anéis nas minhas mãos e se aproximou e, depois disso, me levou para conhecer a minha espécie: Conselho Branco, Toca RJ, Fandom de Tolkien – além de ter me apresentado também ao fandom de Harry Potter, Star Wars e muitos outros.

Neste mesmo cinema, nós nos encontramos para ver Sociedade do Anel e um ano depois Duas Torres e, por fim, depois de mais um ano, Retorno do Rei. A quantidade de vida, de pessoas e de lembranças que essa obra me deu…

Olho para trás e vejo tanto dessa obra na minha vida, que seria impossível pensar na hipótese de não ter lido sem apagar todo o meu passado. Assim como Harry Potter, que li com 13/14 anos e cresci com os livros e com os filmes, não há como separar uma coisa da outra, como seria possível fazer com qualquer outro livro que já li na vida. Ambos caminham lado a lado do meu desenvolvimento como pessoa, como leitora, como escritora e como editora.

É curioso pensar nisso tudo agora, 23 anos depois de ter lido Tolkien pela primeira vez, e 20 anos depois da estreia do primeiro filme nos cinemas brasileiros, ver o quanto essa magia atraiu tanta gente do mundo inteiro para essas histórias e para outras pessoas. É uma sensação de satisfação tão grande ter vivido tudo isso…

É curioso também que o Pedro – o amigo da rede, que me inspirou a ler Tolkien aos 12 anos, a quem sou eternamente grata num nível que não dá nem pra explicar – apesar de ter lido O Hobbit (e gostado!) nunca conseguiu passar do prólogo de Senhor dos Anéis nem ler os outros livros do autor. E mesmo assim, apesar dessa imensa falha de caráter, somos grandes amigos até hoje. Graças ao mestre de todos os mestres.

Obrigada, Tolkien, Pedro e Luc. Este post é dedicado a vocês.

Amanhã, no dia 01/01/2022, verei Senhor dos Anéis – A Sociedade do Anel em homenagem ao aniversário de 20 anos daquele glorioso dia em que fui ao Roxy, cinema em copacabana, às 13h, para assistir ao filme com meu irmão e, não satisfeita, fui ver novo na última sessão à noite no Cinema Leblon. Não faço ideia do que fiz naquele Réveillon de 2001 para 2002, mas lembro perfeitamente da galera sentada em cangas na rua, formando a fila 3 horas antes, meu violão preto nas mãos de um amigo e a galera toda cantando em coro ‘Lord of the Rings’ de Blind Guardian:

“There are signs on the ring
Which make me feel so down
There’s one to enslave all rings
To find them all in time
And drive them into darkness
Forever they’ll be bound
Three for the Kings
Of the elves high in light
Nine to the mortal
Which cry
Slow down and I sail on the river
Slow down and I walk to the hill
And there’s no way out
Mordor”

Desejo de coração muitas felicidades e saúde (para todos nós!!) e um 2022 repleto de surpresas boas, peeps. <3

Beijo e abraço forte!
Vivi Maurey

#Fui

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